quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Guardados


Remexendo em meus arquivos encontrei a pasta "oficina Galvani" com algumas crônicas que escrevi em 2005 quando realizei o Curso de Extensão da Uergs "Crônica, o voo da Gaivota" ministrado pelo querido Walter Galvani. Publico aqui o texto no original, poderia fazer algumas modificações, porque depois de sete anos creio que escrevo um pouco melhor, mas não mudei nada.


Persona



O brasileiro se diz e se acha cordial. Tá certo, ele tem todo o direito já que trata bem os turistas e é visto como um povo alegre e gentil devido ao samba e futebol. Reuniões de negócio com estrangeiros sempre acabam num restaurante ou boate badalada. Quem vê de fora jura que somos cordiais, amigos e sinceros. Não é assim? Porém por trás dessa amabilidade toda está escondido um mar de interesses.

Não se apressem em me taxar de pessimista ou de descrente da bondade humana. Apenas analiso friamente a situação. Qual o motivo para os turistas e homens de negócio serem tão bem tratados, quase carregados no colo? Os turistas representam uma boa parte  do dinheiro que circula no território nacional. E o que seria do Brasil sem os investimentos estrangeiros? A cada dólar que entra é um sorriso em retribuição. É a cordialidade servindo como alavanca para um país de desempregados e analfabetos.   

Agora vamos sair do campo financeiro e adentrar nas relações pessoais. Porque um homem quando conhece uma mulher é  tão afável? Ele abre a porta do carro, do restaurante, puxa a cadeira, fala por favor, desculpe e obrigado, e o mais incrível: sabe escutar (pelo menos disfarça muito bem). Pode passar horas ouvindo de sua  "presa" os conflitos femininos e como os homens são insensíveis nesse ponto. E o pior de tudo é que ele ainda vai concordar com ela. Nesse caso a cordialidade também oculta interesses, é o brasileiro agindo em proveito próprio. A mulher igualmente torna-se cordial quando está as voltas de sua "caça" e mantém o clima agradável até conseguir o que quer. Não reclama de nada, aceita e acata conselhos e opiniões, está sempre com um sorriso no rosto, até mesmo quando tem vontade de vomitar. Ri das piadas sem graça e nunca, mas nunca dá ordens. Quando está segura de que conquistou seu objeto de desejo a máscara cai e revela a sua verdadeira face.  



Percebo que o negócio é genético quando essa cordialidade toda começa a vir dos filhos desde pequenos. Duvidam? Bom, imagine então um menino de três, quatro anos fazendo todo tipo de travessuras. Desde  riscar com canetinhas coloridas o sofá novo de sua mãe até enlouquecê-la com shows, ao ar livre, de ataques e faniquitos regados a insultos, gritos e choro ensurdecedor. Ora, diriam os psicólogos de plantão, isso é normal para a idade. Muito bem. Alguém sabe o que acontece quando esse "modelo de educação" quer alguma coisa de sua mamãe? Algo muito importante para ele, como ver seu desenho favorito na cama dela, ir ao parque, comer bala de goma, dar uma passadinha na locadora e o melhor de tudo, não tomar banho. Aí ele encarna o "modelo da cordialidade infantil". Juras de comportamento são feitas, quarto arrumado em segundos, frases do tipo "tu é bonita, mãe" e minutos incontáveis de beijos, abraços e carinhos. Aprendemos desde cedo a usar a cordialidade por algum interesse. A família mais gentil do mundo sem sombra de dúvida é a nossa.

Eu só não vejo essa cordialidade toda com os moradores de rua, com as crianças carentes, com os doentes na fila do sus, com os índios e negros. Se questionem nesse aspecto. Porque viro o rosto ou atravesso a rua para não vê-los? Porque não lhes abro um sorriso e os cumprimento? Porque se tornaram invisíveis? Alguma doença contagiosa? Não, não e não. A resposta está explicita: não somos cordiais, agora, porque não temos interesse, não vemos nenhuma vantagem nisso.


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